terça-feira, 6 de abril de 2010

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA - Histórico.

CONCEITUAÇÃO

“Há uma grande diferença se fala um deus ou um herói; se um velho amadurecido ou um jovem impetuoso na flor da idade; se uma matrona autoritária ou uma dedicada; se um mercador errante ou um lavrador de pequeno campo fértil (...)”.

VARIAÇÃO HISTÓRICA

Acontece ao longo de um determinado período de tempo, pode ser identificada ao se comparar dois estados de uma língua. O processo de mudança é gradual: uma variante inicialmente utilizada por um grupo restrito de falantes passa a ser adotada por indivíduos socioeconomicamente mais expressivos. A forma antiga permanece ainda entre as gerações mais velhas, período em que as duas variantes convivem; porém com o tempo a nova variante torna-se normal na fala, e finalmente consagra-se pelo uso na modalidade escrita. As mudanças podem ser de grafia ou de significado.

As línguas não são estáticas, fixas, imutáveis. Elas se alteram com o passar do tempo e com o uso. Muda a forma de falar, mudam as palavras, a grafia e o sentido delas. Essas alterações recebem o nome de variações histórica.
Os dois textos a seguir são de Carlos Drummond de Andrade. Neles, o escritor, meio em tom de brincadeira, mostra como a língua vai mudando com o tempo.

Um bom exemplo disso está tão proximo da gente que as vezes nós nem percebemos. Pra quem acompanha Malhação, a novela mais assistida pelo jovens, dona Tânia a inspetora do colégio Opção, faz um anúncio na rádio com gírias antigas e os alunos não entendem o que ela quer dizer.

http://www.youtube.com/watch?v=Ugd_XkgOSFk

Após a vergonha passada, dona Tânia resolve fazer uma pesquisa e tenta se atualizar com as gírias de hoje em dia. Com o auxilio de dois alunos do colégio, ela aprende quase todo o vocábulo jovial e faz um novo anúncio e acaba "mandando super bem".

http://www.youtube.com/watch?v=zFsUx-mxhbk

Outro exemplo de variação linguística histórica, são os textos escritos abaixo :

TEXTO 1

ANTIGAMENTE

Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e prendadas. Não fazia anos; completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levantam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia.(...) Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar a fresca; e também tomava cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animátografo, e mais tarde ao cinemátografo, chupando balas de alteia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em camisas de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’agua.


(...) Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso punham a mão em cumbuca. Era natural que com eles se perdesse a tramontana. A pessoa cheia de melindres ficava sentida com a desfeita que lhe faziam quando, por exemplo, insinuavam que seu filho era artioso. Verdade seja que às vezes os meninos eram mesmo encapetados; chegavam a pitar escondido, atrás da igreja. As meninas, não: verdadeiros cromos, umas tetéias.


(...) Antigamente, os sobrados tinham assombrações, os meninos, lombrigas; asthma os gatos, os homens portavam ceroulas, bortinas a capa de goma (...). Não havia fotógrafos, mas retratistas, e os cristãos não morriam: descansavam.
Mas tudo isso era antigamente, isto é, doutora.

TEXTO 2

ENTRE PALAVRAS

Entre coisas e palavras – principalmente entre palavras – circulamos. A maioria delas não figura nos dicionários de há trinta anos, ou figura com outras acepções. A todo momento impõe-se tornar conhecimento de novas palavras e combinações de.


Você que me lê, preste atenção. Não deixe passar nenhuma palavra ou locução atual, pelo seu ouvido, sem registra-la. Amanhã, pode precisar dela. E cuidado ao conversar com seu avô; talvez ele não entenda o que você diz.
O malote, o cassete, o spray, o fuscão, o copião, a Vemaguet, a chacrete, o linóleo, o nylon, o nycron, o ditafone, a informática, a dublagem, o sinteco, o telex...Existiam em 1940?


Ponha ai o computador, os anticoncepcionais, os mísseis, a motoneta, a Velo-Solex, o biquíni, o módulo lunar, o antibiótico, o enfarte, a acunputura, a biônica, o acrílico, o ta legal, a apartheid, o som pop, a arte op, as estruturas e a infra-estrutura.
Não esqueça também (seria imperdoável) o Terceiro Mundo, a descapitalização, o desenvolvimento, o unissex, o bandeirinha, o mass media, o Ibope, a renda per capita, a mixagem.


Só? Não. Tem seu lugar ao sol a metalinguagem, o servomecanismo, as algias, a coca-cola, o superego, a Futurologia, a homeostasia, a Adecif, a Transamazônica, a Sudene, o Incra, a Unesco, o Isop, a Oea, e a ONU.
Estão reclamando, porque não citei a conotação, o conglomerado, a diagramação, o ideologema, o idioleto, o ICM, a IBM, o falou, as operações triangulares, o zoom, e a guitarra elétrica.


Olhe ai na fila – quem? Embreagem, defasagem, barra tensora, vela de ignição, engarrafamento, Detran, poliéster, filhotes de bonificação, letra imobiliária, conservacionismo, carnet da girafa, poluição.
Fundos de investimento, e dai? Também os de incentivos fiscais. Knon-how. Barbeador elétrico de noventa microrranhuras. FenoliteBaquelite,.LP E compacto. Alimentos super congelados. Viagens pelo crediário, Circuito fechado de TV Rodoviária. Argh! Pow! Click!


Nao havia nada disso no Jornal do tempo de Venceslau Brás, ou mesmo, de Washington Luis. Algumas coisas começam a aparecer sob Getulio Vargas. Hoje estão ali na esquina, para consumo geral A enumeração caótica não é uma invenção critica de Leo Spitzer. Está ai, na vida de todos os dias. Entre palavras circulamos, vivemos, morremos, e palavras somos, finalmente, mas com que significado?
(Carlos Drummond de Andrade, Poesia e prosa, Rio de Janeiro, Nova Aguiar, 1988)